Craque?

O que, de fato, resume um craque?

Zlatan Ibrahimovic, certo de que o mundo deve curvar-se a ele

Há muitos que consideram que goleiros, zagueiros e defensores em geral não podem sê-los. O motivo, que eu posso apenas presumir, seria a falta de magia, a burocracia da função. Ok, é evidente que é menos provável que os destrutores sejam magos como os construtores, mas é justamente essa questão, o que é a magia no futebol, que me leva pensar que essas ideias são um tanto irrelevantes.

A magia, como a maioria das sensações algo sujeitas ao individuo, muda muito a partir do olhar de quem a vê. Eu, por exemplo, me convenço às vezes de que gosto de jogos ingleses muito pela qualidade audiovisual das transmissões da Premier League, que faz mesmo os times mais medíocres ficarem mais interessantes. Por pura e simplesmente permitir-se ver o jogo com mais proximidade, mais riqueza de detalhes, enfim. Todavia, o ponto não é esse.

O ponto é que não vejo como não achar o Maldini um craque. Sei que não sou maioria, mas isso me parece um fato incontestável. Ao meu olhar, é também impossível considerar por exemplo a Copa de Cannavaro menos que brilhante. Talvez sua carreira fique distante do que ele mostrou ali, sendo bem inferior até a outro zagueiro italiano do seu tempo, Alessandro Nesta, cuja história em clubes é infinitamente mais relevante. Cannavaro rodou mais e teve uma série de percalços. Mas a Copa, isso pertence a ele: os desarmes precisos, a liderança nata, o QI que ele demonstrava ter do jogo. Um work rate, como chamam os ingleses, dum nível raro. Para mim, isso era, é e sempre será mágico.

Muitos defendem que Zidane, em especial por ter carregado a França e por ter tido uma performance de gênio nas partidas decisivas contra o Brasil e a Espanha, foi o melhor do torneio. Isso eu até entendo. Mas outros vão de Pirlo, que de fato foi o melhor italiano do meio pra frente; só que colocá-lo acima de Cannavaro me parece uma lógica boba, que parte de enxergar fascínio exclusivamente na ofensividade.

Ok, mais uma vez me afastei do tema do texto. Queria firmar que discordo dessa ideia corrente de que a magia reside em um certo tipo específico de individualidade, que não vê os lances brilhantes de um defensor como algo doutro mundo. Mas isso tudo diz pouco, ou nada, sobre o que eu realmente queria falar aqui.

Falo de Zlatan Ibrahimovic. O atacante, hoje no Milan, é um craque maiúsculo, cuja imagem que criou para si atrapalha um tanto essa compreensão. Primeiro, porque é um jogador egoísta, cheio de si, mascarado. Talvez por isso a imprensa não o coloque às alturas e valorize menos suas conquistas. Ibra, como é conhecido, foi o melhor jogador de praticamente todos os times que jogou nos últimos 8 anos. À parte o Barcelona, onde seu estilo e caráter foram mal vistos e, se ele não foi mal, certamente esteve longe da excelência da equipe, não há onde Ibra jogue que ele não se torne o grande ídolo.

Na Juve, com todos os problemas de bastidores, incluindo apostas envolvendo jogadores, árbitros e cartolas, Ibra viu seu time perder no tribunal os títulos conquistados teoricamente no campo. Mas a verdade é que, já ali, Ibra venceu esses títulos sempre como o melhor do time. Se os jogos eram ou não comprados, já é outra história; sua técnica, habilidade e agudeza não podem ser negadas pelas revisões históricas.

Após a ida pra Inter, o “fator Ibra” chegou em um nível ainda maior. Até o inicio dos problemas com Adriano, ainda em sua primeira temporada, ele poderia ser considerado apenas “um dos craques” do elenco. Mas dali em diante só deu o centroavante, que carregou por três anos o time nas costas. Seus tempos lá foram os de um craque isolado, com coadjuvantes de luxo, mas sempre muito inferiores. Zanetti, Cambiasso, Julio Cesar foram brilhantes, mas quem ganhava jogos era sempre ele. E foram mais três títulos seguidos assim, dessa vez sem tapetão.

Ibrahimovic é um caso de craque com gols diferenciados; calcanhar, bicicleta, falta, paulada de fora, cobertura, fazendo fila. Ele faz gol de todos os jeitos, além de ser geralmente o mais inteligente do time, dando passes absolutamente geniais.

Após todos esses títulos na Itália, o atacante tentou sua sorte no Barcelona, onde passou o período mais complicado da carreira. A Inter inicialmente comemorou o negócio, que além de muito dinheiro lhes deu Eto’o e com ele um título de Champions, eliminando logo o grande time do mundo, onde seu ex-ídolo tentava se fixar. Mas a alegria foi curta. No ano seguinte, o Milan trouxe de volta à Itália o jogador que dominou a década. Enquanto a Inter caia de nível e via Eto’o sair para ganhar uns milhões na Rússia, o Milan assistia Ibrahimovic retomar o que lhe é seu: o posto de melhor jogador da Itália, e o de campeão da Serie A.

Em resumo, Ibra ganhou todos os títulos de campeão italiano que disputou, desde que foi jogar lá.

A magia de Ibra é a da pureza, do toque que dá na bola sem nem pensar na lógica do passe. É conseguir fazer com ela o que quer, bater nela com a maior das precisões. Se seu objetivo é encobrir o goleiro, lançá-la para outro jogador ou apenas dominá-la, Ibra tem exata noção de como fazer. Esse é o diferencial desse jogador; não é habilidade, nem força bruta. Ibracadabra. Mago.

No domingo, Ibrahimovic fez mais um golaço, batendo uma falta decisiva para o Milan. O Cagliari pouco podia fazer, e logo depois viu o centroavante dar um passe que apenas um gênio sabe fazer. Após um lançamento longo, ele simplesmente chicoteou, com a barriga ou o peito, a pelota no lugar certo para Nocerino. Outro golaço, com assinatura. Mesmo com o ego na alturas, Ibra jamais negou o passe a seus parceiros. Ele simplesmente não consegue cansar de lembrar: “SOU CRAQUE”.

As chicotadas de Ibra mereceriam um texto só delas, mas deixarei isso para outro momento. No entanto, quem viu ele levantar com um toque e dar um tapa na bola de calcanhar por um angulo indefensável sabe do que falo.

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A Bundesliga segue seu ritmo, com seus três líderes empatados. O Borussia Monchengladbach vem atrás, apenas um ponto de diferença. São quatro times na briga direta.

O Dortmund está cada vez mais parecido com o time da temporada passada. Kagawa e Gotze assumem o time, e o tempo que ficaram sem Lucas Barrios como centroavante parece ter sido superado. A dificuldade de reencaixar o meio sem Sahin, que foi para o Real, e o ataque sem Lucas pareceu que abateria o time. Mas o brio de sempre está de volta.

Os sinais da volta ao nível mais alto do futebol do time mais popular da Alemanha não se resumem só a isso. Não saberia dizer se novamente alguém sairá do time ao fim da temporada, mas Marco Reus, atual grande revelação do campeonato, melhor jogador do M’gladbach e agora também na seleção, está vindo. Ele teve propostas para se transferir ao Bayern e Dortmund, mas, mesmo com os holofotes internacionais do time de Ribery, optou pelo time de Gotze e companhia. Mas os torcedores terão que aguardar um pouco. Reus irá pro Dortmund apenas no começo da temporada que vem, não vai abandonar seu time no meio do campeonato.

De qualquer forma, esse é mais um comprovante de que o trabalho por lá foi bem feito, e que a crença num ambiente diferenciado, focado sobretudo num time jovem, moderno, ofensivo, persiste e tem vencido o tempo em que ficaram afastados dos títulos. Resta confirmar a briga pelo bicampeonato, e, claro, a volta por cima em nível de Europa.

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A Copa Africana de Nações chega às quartas de final, com Gana e Costa do Marfim como favoritas, pelo nome, e Zambia como o grande time até agora.

A atual Gana segue chata, mas sem erros, jogando no limite tático. O único jogador mais insinuante é André Ayew. Outros ótimos jogadores estão fora por lesão, como Kevin Prince Boateng, talvez o grande jogador do time em 2010, e Michael Essien. A Zambia é mais modesta em nomes, mas foi o time de melhor futebol, venceu todos que enfrentou, adversários que nem sempre foram fracos. Já a Costa do Marfim não convence, mas não é tão sem sal quanto Gana, mostrando mais ofensividade. Talvez isso seja fruto mesmo de ter jogadores de talento individual mais evidente. Um dos melhores do time, por exemplo, o atacante Doumbia do CSKA, é reserva e mal joga. O fator experiência contará a partir de agora. Veremos o que vem por aí.

A menção da África me obriga a não ignorar o ocorrido no Egito. O assustador confronto entre torcedores e facções politicas transformou-se num massacre. Mais de setenta mortos e cena inacreditáveis. O Egito ainda passará por um processo longo, mas na esfera futebolística, é preciso ressaltar a entrevista de Aboutricka, um dos maiores jogadores do país, conhecido de quem acompanha as seleções africanas, que afirmou que as autoridades de segurança simplesmente abandonaram as pessoas e os jogadores, que trancaram-se nos vestiários.

Assim como os eventos com a seleção de Togo, dois anos atrás, tiveram um impacto que levou o time a mudar completamente dali em diante, o impacto desse evento ainda é imprevisível. Sabe-se lá se haverá futebol no Egito e se eles sequer se preocuparão com isso agora. Aboutricka disse que, entre outras coisas, viu pessoas que se esconderam com eles não sobreviverem, e não consegue se imaginar jogando mais.

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Relembrando… Ryan Giggs

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